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“Matar ou Morrer – Dilermando de Assis e Euclides da Cunha”: uma obra imperdível

Olhar Teatral, Por Paty Lopes, Crítica Teatral

Em 12/08/2023 às 16:32:17

Eu jamais imaginaria assistir à história do Euclides da Cunha no teatro. Não do jeito que a peça "Matar ou Morrer" é apresentada. Posso afirmar que foi uma bela surpresa!

Lembro-me bem da minissérie "Desejo", interpretada por Vera Fisher, Guilherme Fontes e o saudoso Tarcísio Meira. Lógico que, depois de uma obra como essa, ficamos sempre à espreita do que virá, até mesmo questionando se um dia assistiríamos algo tão bom quanto.

E sim, o espetáculo teatral é de uma beleza inquestionável. Tem uma teatralidade incrível nos artistas que se propuseram à performace da obra e uma dramaturgia muito bem elaborada. Nós, os espectadores, agradecemos!

No Centro Cultural da Justiça Federal, a história de Euclides da Cunha e Dilermando volta. Aliás, eles voltam do túmulo para se defender, responder por seus atos em um tribunal, mais de cem anos depois. Interessante que a obra nasce dentro do prédio centenário que o supremo tribunal funcionava. Que entrecruzo mais interessante da vida...

A construção do prédio do CCJF iniciou em 1905, como parte integrante do projeto de reformulação da cidade do Rio de Janeiro, então Capital Federal, na gestão do prefeito Pereira Passos. No mesmo ano morreu Euclides da Cunha, na mesma cidade. E, em 2023, a história volta à sociedade, mas de outra forma, com outro significado, com outro olhar…

Pensem em um espetáculo gostoso de assistir, com artistas que fazem do texto uma sequência de cenas magníficas, como dizem por aí: é sobre isso.

“Advogada e membro da Academia Carioca de Letras, a autora Miriam Halfim ficou bastante tocada ao conhecer a história de Dirce de Assis Cavalcanti, filha de Dilermando de Assis (1888-1951), hoje com 90 anos. Apontada tantas vezes como "a filha do assassino", Dirce sofreu bullying na escola e na vida devido ao julgamento moral da sociedade que condenou seu pai — mesmo absolvido em dois tribunais".

A autora do texto foi imensa em ressuscitar os fatos. De alguma forma, ela parece ter posto um fim nessa história, que maravilha! Após o espetáculo, Miriam fala sobre suas referências Shakespearianas. O que fica em evidência, mas que não perde a identidade dela. Incrível como o texto é reflexivo.

E reflete também o comportamento humano, que se repete impetuosamente entre nós. “Eu vejo o futuro repetir o passado…”, assim cantava Cazuza. Ele está certo!

Mesmo diante de todo mal causado a Dilermando, a sociedade parece não amadurecer ao seu comportamento. Mediante julgamentos, preconceitos e mentiras que jogam ao vento, sem se importarem com o que pode acontecer ao outro.

"É como se essa magistrada recebesse um chamado do Dilermando para promover essa reparação. Ela acaba sendo um pouco tendenciosa, mas está inteira ali, ouvindo. A Dirce, filha do Dilermando, queria muito que o pai deixasse de ser chamado de assassino. Ficou um estigma negativo. Mesmo após morto, Dilermando não teve paz. Não aceitaram enterrá-lo no mesmo cemitério onde estavam os seus pais", conta a atriz Maria Adélia.

Resumindo, a dramaturgia tem alma, é um dos pontos altos do espetáculo.

O figurino é assinado pelo querido Wanderley Gomes, que apresenta indumentárias pertinentes, sóbrias e próprias de cada personagem. Dilermano era um militar. Uma bota é bem posta, uma calça e uma camisa de malhar se agarra ao corpo do artista. Enquanto isso, Euclides apresenta-se com um terno bem desenhado. A juíza usa um vestido vermelho, destoando dos demais. Vi elegância nos tons do grandioso Wanderley.

O cenário funcionou muito bem. A mesa onde fica a juíza lembra os móveis do terceiro andar do espaço, onde os juízes trabalhavam. Fantástico esse olhar maduro, inclusive de elo, entre o hoje e o ontem. Um vidro quebrado, que nos conduzia ao crime do passado, ali sendo julgado, mas não nas leis dos homens e sim da alma. Cenário simples e suficiente. Marcos Flaksman!

A iluminação é do Aurélio de Simoni. Não é a primeira vez que vejo um trabalho dele nesse teatro. Ele sempre acerta, não peca. Uma iluminação que funciona, inclui uma palheta de luz vermelha que também direciona aos crimes mencionados no texto, que foram praticados na realidade.

Ary Coslov é o diretor. Precisa falar mais sobre a direção artística? Para entender o nível do diretor, basta assistir ao espetáculo que nasceu de suas mãos. Mãos que entregam ao público uma montagem rica, refinada em todos os sentidos.

Marcelo Aquino, Maria Adélia e Sávio Moll são os artistas em cena.

Aquino é o jovem militar que se apaixonou pela esposa do literato Euclides, Ana, que foi o pivô de toda tragédia. Marcelo está ótimo. A vontade é de subir no palco e defender seu personagem. Sua voz e corpo estão em perfeitos condicionamento para assumir um personagem como Dilermando.

Sávio Moll, mais uma vez, mostra sua capacidade cênica. Ele é um ator teatral da grandeza dos palcos cariocas. Ainda bem que o temos. O ator já esteve em três montagens ao mesmo tempo. Isso o transforma em um artista dinâmico, competente, que acumula conhecimento, o forja para qualquer obra. Ele apresenta um personagem mais duro, menos maleável, cheio de maus sentimentos, mesmo após cem anos da sua morte.

Adelia, a atriz, interpreta a juíza das almas inquietas, cheia de ressentimentos. Ela entra em cena com seu cabelo azul, com uma narrativa estupenda, falando sobre o teatro, sobre o que as artes cênicas faz em cada um. Lindo mesmo. Em seguida, põe uma peruca e pede para que o terceiro sinal toque, tudo isso do palco. Uma performance linda. Os olhares da atriz atravessam o público. Expressões faciais notáveis!

Mais que isso: defende a ex-mulher do literato, corrigindo Euclides em sua forma de olhar para a ex-mulher como se fosse uma propriedade.

Belo olhar da dramaturga e sororidade da atriz em palco. Uma bandeira levantada em um país onde os crimes contra nós, mulheres, alcança níveis altíssimos.

Na verdade, os artistas estão nivelados no mesmo patamar ao executarem seus trabalhos. As trocas entre eles são perfeitas, se entendem muito bem. Posso dizer que é uma delícia assisti-los, pois demarcam seus lugares. Assim, JUNTOS, trazem aos espectadores uma obra que julgo imperdível. Os desdobramentos são excelentes. A cada cena há trocas inteligentes, com um texto ávido que orquestra uma obra de extremo bom gosto.

Toda a história do trágico crime ocorrido em Piedade é levado ao palco, assim como os feitos do literato, sua passagem pela vida, pela academia. Tudo bem equilibrado, com detalhes sobre a história do Brasil, quando menciona “Os Sertões”.

Pela primeira vez vi um teatro que parecia ter um mapa, que os conduziu a certeza do assertivo.

Os artistas também são impulsionados pela trilha sonora, que são músicas eruditas. Uma sonoplastia robusta, trazendo ao espetáculo sensações dos ocorridos do passado. Ótimo!

Esta singular obra merece ser reconhecida. A força cênica dela nos entusiasma e nos leva a gostar ainda mais do teatro. Isso é suficiente!

Que sorte a minha ter visto esta obra nas redes sociais dos artistas. Caso contrário teria perdido o que é, de fato, para ser achado!

Ficha Técnica

Autora: Miriam Halfim

Direção: Ary Coslov

Atores: Marcelo Aquino, Maria Adélia e Sávio Moll

Cenário: Marcos Flaksman

Figurino: Wanderley Gomes

Iluminação: Aurélio de Simoni

Produção Executiva: Osni Silva

Diretor de Produção: Celso Lemos

Serviço

“Matar ou Morrer – Dilermando de Assis e Euclides da Cunha”

Data: em cartaz até 27 de agosto

Horários: quinta e sexta, às 19h – sábado e domingo, às 18h

Local: Centro Cultural Justiça Federal – Av. Rio Branco 241, Centro

Ingressos: R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia)











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